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Resgatando o Feminino: O Problema da Mulher Possuída pelo Animus

Atualizado: 23 de mar. de 2023



Handcuffed Woman by Louis Smith

Os psicoterapeutas radicados no Ocidente estão a reconhecer a emergência de problemas psicológicos que têm vindo a afetar as mulheres "emancipadas". Um grande número de mulheres que são altamente bem-sucedidas e competentes em termos externos, são atormentadas por um sentimento interno profundamente enraizado de inutilidade, falta de valor e inferioridade. A abordagem convencional para esse desconforto psicológico tem atribuído possíveis causas à sobrecarga psicológica, ou à necessidade dessas mulheres de se tornarem ainda mais ambiciosas e esforçadas.

O conceito junguiano de Animus é particularmente adequado para compreender, através de uma abordagem simbólica, este fenómeno que as novas mulheres do séc. XXI enfrentam. Carl Jung em parceria com Sabina Spielrein descobriu que a psique humana era andrógena sendo ela dividida por duas forças opostas simbolizadas através da função masculina e feminina. Devido ao desenvolvimento natural do ego ser biologicamente e psicologicamente identificado pelo género, o elemento masculino na mulher e o feminino no homem permanecem inconscientes e indiferenciados durante a maior parte do seu desenvolvimento. Quando qualquer conteúdo psicológico está inconsciente, ele segue dois cursos - ou projeta-se para fora num objeto externo ou identifica-se com este. Por objeto entendemos em Psicanálise e Psicologia Analítica como a representação mental de um objeto externo. O mesmo será dizer que quando amamos ou fantasiamos com alguém ou algo não tem a ver com o valor da coisa em si, mas o valor que subjetivamente atribuímos sobre esse objeto. Este valor tem a ver com a dinâmica psíquica de cada indivíduo em si.

Posto isto, enquanto que o Animus de uma mulher permanecer inconsciente, ele irá seguir pelo fluxo desses canais de expressão. Ou seja, enquanto a mulher não atingir a sua "emancipação/liberação", projetará exteriormente o seu Animus, através de romances intensos, relacionamentos estereotipados e uma existência alimentada pelos homens que irão surgindo na sua vida. Por outro lado, a “dita” mulher “emancipada/liberada” cai no outro lado da armadilha. Ou seja, ela identifica-se com seu Animus e perde o controlo da sua própria vida, nessa sua força anímica. Vendendo completamente a sua identidade feminina ao Animus que, consequentemente, a reprimirá evidenciando um falso masculino no seu padrão comportamental. Desse modo, esta mulher irá encontrar-se numa situação de duplo vínculo, onde a sua idealização do masculino a leva a denegrir inconscientemente o feminino.


Contudo, considerando os milhares de anos de inflação patriarcal acerca do princípio masculino, não será surpreendente que as mulheres de forma inconsciente o introjetem, ficando submersas nas garras de uma força tirânica, poderosa e moralizadora, que mina completamente a sua identidade individual. Além disso, a mulher também introduz imagens inferiores do feminino, imagens baseadas nas duas reações clássicas do homem à mulher:


HORROR

e

FASCÍNIO;


Em termos simbólicos podemos ver estas reações a operar do seguinte modo:


A imagem da Bruxa no seu extremo sugere a mulher no seu aspecto demoníaco, devoradora, feia, isolada e fálica, representando tudo o que é desprezado e rejeitado no feminino. Num outro polo, a Feiticeira, é um arquétipo sexualmente voraz, um íman magnetizante, uma Circe que aprisiona homens e os transforma em suínos. No nível individual, cada mulher carrega esse aspecto rejeitado do feminino no seu lado sombrio.

As mulheres acorrentadas a este fenómeno em análise clínica geralmente têm sonhos iniciais de bruxas, videntes e mulheres desonestas. Sendo assim que elas se vêm inconscientemente. Vivem de alguma forma emaranhadas e identificadas com o lado negativo da sua sombra. No entanto, através do trabalho analítico descobrem que, no momento em que o animus emerge, ele se alia à sua sombra. Assim, sempre que o seu animus (força masculina) opera no sentido do triunfo, conduzindo às maiores realizações externas, de modo interno, estas mulheres são capazes de sentir os momentos mais melancólicos da sua vida, misturando uma sensação de tristeza e de inutilidade interior.

O Complexo Paterno

Como o primeiro portador desta força masculina (o animus) na vida da mulher é o pai, a condição e a força do seu lado masculino, o animus pessoal, será determinada pelo complexo paterno. Se o pai tiver sido muito forte e tirânico, ela poderá internalizar a voz do julgamento e a autoridade crítica. Se ele é fraco demais, ela não terá oportunidade de internalizar o masculino, o que irá conduzir a uma existência vegetativa e inconsciente, pronta para servir às projeções e necessidades de todas as forças masculinas da sua vida. O animus também fornece à mulher a capacidade de questionar, de pensar e de se orientar espiritualmente. Não se deve esquecer que o Animus tem um papel positivo a desempenhar no desenvolvimento psíquico das mulheres. Quando é ativado na sua faceta positiva, ele liberta energia masculina positiva e, consequentemente, foco, atenção, determinação, ambição, robustez e toda a qualidade associada ao pensamento da logos, a capacidade de se conectar conscientemente com o que antes era inconsciente. Também pode ser uma "força paterna" positiva, com incentivo, proteção, princípio e contenção.

Nos sonhos, o animus pode aparecer como um corpo coletivo de homens, soldados, marinheiros, juízes, júris, polícias e outros símbolos da autoridade masculina. Também pode aparecer como o pai, o irmão, o amante, o marido, filho e/ou outra figura masculina da vida da sonhadora. Os símbolos de Animus mais indiferenciados (quando o material é provavelmente mais inconsciente), incluem nuvens, vento, chuva, trovão, um falo penetrante, animais como cobras, touros, cavalos e/ou cães. Na sua profundidade e força arquetípica coletiva, o animus pode aparecer como um rei, um guerreiro, um homem sábio, além de figuras mitológicas como Pan, Adónis, Dionísio, Apollo e Hermes.

Além do aspecto paterno do animus no seu manto de lei, ordem, autoridade e estabelecimento da estrutura patriarcal, o Animus também se apresenta sob o disfarce inesperado de malandro, tanto no plano externo quanto no interior. Quando assim é, neste plano o Animus surge como um aventureiro dissoluto amoral que ainda desempenha a função necessária de libertar a mulher da tirania e lei estabelecida (pai) para uma vida de aventura, instabilidade e subversão. Ao nível externo isto verifica-se em trivialidades da vida quando as mulheres geralmente se envolvem com Don Juans, com quem apenas podem desfrutar de um relacionamento transitório e sem compromisso, que podem usar como uma ferramenta de rebelião contra um pai autoritário. Ao nível interno, o animus-trapaceiro tem uma função semelhante, fornecendo à mulher um contraponto ao pai-animus. Pan, Hermes, macacos, duendes, anões, anarquistas, palhaços, arlequins, duendes, etc. Normalmente este reflexo do trapaceiro é refletido nos sonhos. Ao longo de um período de tempo, o trapaceiro tem uma maneira de evoluir de uma criatura amoral, meio humana, para sua função legítima como um símbolo de transformação e, posteriormente de forma gradual, vai surgindo cada vez mais em sonhos possivelmente na forma de Hermes, tocando sinos, batendo nas portas, exigindo atenção, dando presentes, sendo chato, mas acima de tudo orientando e geralmente sendo indispensável no desenvolvimento psicológico da mulher.

É importante ter em mente que, como em qualquer outro processo psicológico, não existe uma ordem lógica e estrita; o analisando tem de lidar com diferentes aspectos do animus ao mesmo tempo, e isso será refletido nos seus sonhos. Geralmente estará bem no processo de diferenciação e individuação, quando os sonhos contiverem diferentes aspectos do animus. Quando isso acontece, é importante prestar atenção ao que está a ser apresentado, permitindo que a mulher recupere o que é dela e rejeite o que é psicologicamente estranho. Uma das minhas clientes envolvida nesse processo sonhava com o seguinte:


“Enquanto o meu pai, o meu marido e eu estávamos fora do nosso apartamento, a minha empregada deixou entrar um rapaz de 14 anos. Ele tinha-lhe vendido saquetas de perfume com ervas. Entretanto nós chegamos e ele conta que precisa de um emprego, pois é bastante pobre. Eu sinto que existe algo de muito honesto nele. No entanto o meu pai vê tudo em tons de vermelho e diz que o diabrete só vem para quebrar as coisas. Porém o pobre rapaz garante-me que é muito cuidadoso e explica que empurra sempre as gavetas que abre (exemplificando). Eu sinto um conflito interno enorme, o meu primeiro instinto é ouvir a voz do julgamento do meu pai. Mas, entretanto, eu decido que posso encontrar um emprego para o rapaz. Ele poderá encarregar-se das compras diárias de mantimentos.”


O sonho indica um ponto de virada distinto na luta da sonhadora pela libertação de um pai idealizado. O menino é o novo Animus pessoal emergente que estará a serviço da mulher, o lugar certo psicologicamente falando para o elemento masculino de uma mulher. As saquetas de perfume e as compras indicam os valores dos sentimentos, que é o que a sonhadora precisa para equilibrar as suas atividades orientadas para o pensamento. O menino tem muito cuidado para empurrar as gavetas que, para a sonhadora, continham conteúdos íntimos, como jóias e roupas íntimas. Portanto, esse Animus pode ser encarregado de explorar os segredos da sua psique, ao mesmo tempo em que fornece um recipiente seguro e privado. Essa seria outra função do Animus positivo.

O sonho acima descrito ocorreu após cerca de dois anos de terapia e análise da mulher. Os seus sonhos anteriores consistiram em figuras masculinas negativas consteladas tanto pelo complexo paterno quanto pelo parceiro. No seu aspecto negativo, o Animus destaca-se como crítico interno, juiz, sádico, assassino, mago do mal, que constantemente informa a mulher de que ela é feia, inútil, estúpida e desagradável. Isso atrapalha a relação da mulher com os seus sentimentos, tendo a necessidade constante perante toda a realidade de "provar" a si mesma que o seu parceiro não a ama. Esta é a voz crítica interna que toda mulher já ouviu. Advém sempre quando algo já ocorreu para chocalhar a mulher ou quando ela teve muito sucesso, para simplesmente esvaziá-la. Este tirano interior tem total domínio e ela encontra-se persistentemente a ceder perante as áreas da sua vida que lhe deram prazer e enriquecimento. Como se não bastasse, toda a vez que ela tenta desfrutar de um merecido descanso ou de se tratar, o Animus irá provoca-la com a acusação de que está a perder o seu tempo e que é melhor fazer algo de "produtivo".

Este é o Pai introjetado que se tornou juiz, que estabelece as leis de comportamento e sentimentos aceitáveis. Convence-nos de que, se formos contra esses ditames, estaremos decepcionando alguma autoridade. Na presença dessa voz, toda a mulher se sentirá como uma “tontinha”, que não possui dignidade por si mesma.

O Tirano Interior

A manifestação clássica nos sonhos desse tirano interior é como um nazi aprisionando a mulher num campo de concentração. Se tivermos em mente que os nazis se consideravam Ubermenchen (super-homens), podemos ver o quão adequado é um símbolo desse masculino inflado que o inconsciente escolheu. As mulheres muitas vezes sonham em tentar escapar de um campo, sendo perseguidas ou fuziladas pelos guardas nazis. Violadores, assassinos e ladrões também são símbolos comuns. Assim como a violação, a invasão, a mutilação e o desmembramento, indicam que o princípio masculino se desviou e atacou a identidade feminina. O seguinte é o sonho de uma mulher de 26 anos antes da análise:


“É de noite. Está um homem homossexual jovem e bonito dentro de um campo militar. Do lado de fora do campo militar, sob um poste de luz, fica um anão numa cadeira de rodas. O jovem homossexual passa. O anão chama-o como se estivesse a pedir ajuda. Quando o jovem se aproxima do anão, ele tira uma faca grande e corta o jovem em pedaços.


A violência perpetrada neste sonho está associada ao emergente Animus pessoal. O aspecto jovem e bonito do Animus tem uma masculinidade ambígua, ou seja, ele é homossexual. O jovem e o belo também sugerem uma qualidade narcísica que, de fato, é um reflexo do pai da sonhadora que sofreu um transtorno de personalidade narcisista. O anão é um animus atrofiado que guarda o campo militar e corta o jovem animus com uma enorme (e fálica) faca.


A experiência de abuso sexual pode afetar bastante a introjeção do masculino na mulher. Quando esse for o caso, o analista deve precaver-se adicionalmente para separar o simbólico do literal. Por exemplo, uma mulher que foi violada sexualmente quando tinha oito anos, na sua adultez pode desenvolver sonhos e fantasias de ser atacada por vários pénis grandes, como aconteceu com uma cliente minha. Ela costumava sentir-se extremamente desconfortável com o toque e fisicalidade masculina. Durante o período de análise, começou a surgir a possibilidade de ter sido abusada sexualmente. Neste caso, a invasão provocada pelo masculino foi literal e acabou por contaminar o seu Animus, de modo que o Animus também se (re)voltou contra ela. Ela era obsessiva com o seu trabalho, afastava-se de todo o tipo de atividades de tipo sentimental, apesar de muito bem-sucedida, manifestava uma sensação inerente de sentimentos inúteis que refletiam a sua feminilidade danificada. A tarefa da terapia passou por reduzir o tamanho do Animus, passando por aprimorar e encorajar o seu feminino.


O Velho Sábio

Outro aspecto do animus é o homem sábio, o homem que sabe tudo, cuja a sua função é informar, guiar, ensinar e liderar a mulher. Nas suas formas positivas, esse é o arquétipo da sabedoria. Tal como Moisés ou Salomão, esse homem pode se relacionar com uma ideia de maneira subjetiva e representa a verdadeira função de pensamento que não é dividida, fria, estéril e objetiva como se supõe, mas apaixonada e original. No entanto, se a mulher se identificar com o arquétipo do homem sábio, ela pode tornar-se totalmente e perigosamente nele da maneira mais idealizada possível, sendo invadida pelo “Espírito-do-Pai”. Dessa forma, ela irá procurar conquistas em termos culturais e espirituais masculinos, vendo-se como uma sibila, um génio ou um puro anjo sobrenatural, impedindo de se contaminar pelo sangue e pela carne da sua identidade feminina. De outro modo também poderá viver essa fantasia de forma vicariante, servindo-se como anima de algum grande homem.


A identificação com qualquer aspecto do Animus, seja ele positivo ou negativo, gera aversão e a ira contra o arquétipo da Grande Mãe (o feminino maduro) que se torna negativo e aparece nos sonhos da mulher frequentemente como uma bruxa, a devoradora e/ou maligna. A Grande Mãe no seu aspeto negativo pode manifestar-se em sintomas físicos como menstruação irregular, amenorreia e problemas de fertilidade.


As mulheres de alta performance, possuídas pelo Animus, podem também sofrer de distúrbios compulsivos, como bulimia ou anorexia nervosa. Devido à falta de uma matriz feminina forte, o corpo é atacado pelo Animus negativo e a mulher separa-se naturalmente da sua quintessência feminina. As mulheres que sofrem desses distúrbios geralmente reconhecem que é a sua própria feminilidade que estão a atacar, dizendo que é um ditador interno que as leva de maneira tão organizada e forçada à beira da morte. Angelyn Spignesi, em “Mulheres famintas, uma psicologia da anorexia nervosa” (1) cita uma analisanda que descreve o “desejo mórbido que a governa” como “um inimigo, um homem com uma espada desembainhada ou um homem armado que me rodeia e me interrompe sempre que tento escapar de seu domínio”.


O Animus possui um poder extraordinário dentro da psique da mulher, porque é um arquétipo. É impessoal, desumano e autónomo. Se não nos relacionamos com ele e permitimos que encontre uma via tranquila até à consciência, ele pode aniquilar a identidade do Ego. O Animus tem uma vida própria, que não está sob controle humano. Barbara Hannah apontou que o Animus tende a manifestar-se sempre que o Ego feminino não está funcionando, escolhendo e discriminando. Emma Jung escreveu que as mulheres têm necessidade em fluir na sua espiritualidade. Quando essa necessidade é negada, o Animus apropria-se do Self.


Jung, no Seminário das Visões (2), escreveu que “o Animus é um sujeito muito ganancioso e tudo o que cai no inconsciente é possuído por ele. Ele está lá com a boca aberta e capta tudo o que cai da mesa da consciência... Se deixar algum sentimento ou reação se afastar de si, ele irá devorá-lo, ficando mais forte e começa a rebelar-se”. Portanto, tornar-se mais consciente acerca dos seus pensamentos, sentimentos e valores é crucial para a mulher. Isso ocorre principalmente no que diz respeito a sentimentos feridos que, se não forem expressos de maneira relacionada, podem se transformar em ataques de Animus. Esses ataques assumem a forma de serem apanhados ou possuídos por uma espiral de raiva, que ganha impulso e nos leva a dizer as coisas mais terríveis. O Animus pode danificar o casamento ou os relacionamentos íntimos cortando a função de sentimento e também envolvendo inconscientemente a Anima do homem. Quando a Anima e o Animus começam a rebelar-se, são alimentados por uma reserva de sentimentos reprimidos de raiva, ressentimento, inveja, poder, frieza e medo, cada um alimentado pelos complexos parentais de cada um dos parceiros.

Redimindo o Pai Pessoal

Ao lidar com o problema do Animus, o ou a terapeuta terá primeiramente de lidar com os sentimentos da cliente embebidos no seu pai, uma vez que o problema principal do Animus é constelado pelo próprio complexo paterno. A principal tarefa da mulher nesse processo é resgatar o seu pai pessoal, ou melhor, a sua relação interna com o seu pai. Ao tentar ver o pai no seu lado sombrio e claro, ela consegue escapar da armadilha de ficar presa num lado unilateral e/ou opostos de um espectro, sendo isso que dá força a um complexo. O lado sombrio do pai consiste na raiva, na falta de controlo e incompletude, o lado positivo oferece poder, generosidade e criatividade. Mas enquanto a mulher estiver presa num poste idealizando(ou)rejeitando a figura parental, ela estará repudiando elementos da sua própria psique. Ser completo também requer a retirada de projeções, recuperando a parte de nós próprios que projetamos externamente. Como o pai também representa autoridade e algo assim, ao rejeitá-lo, a mulher também está rejeitando a sua própria autoridade.


Se a atitude da mulher em relação ao pai for muito idealizada, por um lado, isso terá o efeito de afastá-la das suas próprias capacidades profissionais. Ela só poderá ter sucesso nos termos do sucesso alcançado pelo próprio pai e/ou desejos deste, devendo encontrar uma grande dificuldade em aceitar e desenvolver os seus próprios talentos. Eles irão permanecer sempre um pouco irrelevantes para ela. Um relacionamento muito positivo com o pai também pode impedir que a mulher tenha um relacionamento real com outro homem, pois qualquer parceiro em potencial será comparado ao pai idealizado e, inevitavelmente, estará em falta. Para internalizar o princípio do pai, a mulher precisa de quebrar a transferência idealizada para com o seu pai, reconhecendo lado negativo deste.


Linda Schierse Leonard, ao escrever o seu livro “To Be a Woman” (3), afirma que


“em última análise, redimir o pai implica remodelar o Masculino por dentro, ser pai desse lado de nós próprias. Em vez do “velho pervertido” e do “rapaz revoltado e rebelde”, precisamos de encontrar o Homem com Coração, o Homem interior que estabeleça uma boa relação com o Feminino”.

A emergência desse Homem de coração foi identificado no sonho da seguinte analisanda:


"Um amigo do meu parceiro chamado Sweetman chamou por mim. Ele tem uma maleta numa mão e uma boneca na outra. Ele diz que a boneca ficou careca, mas que ele já resolveu transplantando o cabelo para a cabeça desta. Sendo o seu cuidador, ele expressa que nunca mais foi a lugar algum sem ela”.


A boneca careca representa uma Logos estéril, que pensa sem a intervenção do coração. Lembra-se do poema de Yeats:





Ao restaurar o cabelo, Sweetman devolve a glória do feminino. Este é o homem que é doce, que encontrou um equilíbrio entre o masculino e o feminino. Sendo que a partir daqui ele nunca irá a lugar nenhum sem o feminino.


É claro que, no presente exemplo, a integração com o feminino estará apenas nos seus estágios formativos, visto que aparece simbolizado através de uma boneca. Todavia é um começo e os sonhos subsequentes desta analisanda demonstram como a boneca se torna uma mulher de carne e osso, uma figura sombria positiva que está sempre “do seu lado".

Fortalecendo o Feminino

Além de resgatar o pai e o masculino, a mulher, nos seus esforços para humanizar o Animus, deverá também fortalecer o feminino dentro de si. Isso significa não apenas restaurar o valor do feminino diante do patriarcado e na sua própria rejeição do feminino, mas também ao reconhecer os seus elementos ancestrais. A mulher moderna, a fim de se libertar dos grilhões da feminilidade subserviente, rejeitou ao mesmo tempo a sua mãe e o arquétipo coletivo da feminilidade. A separação consciente do modelo de vida e casamento da mãe também separa a mulher da parte emocional e instintiva de si mesma. Portanto, uma parte intrínseca da cura será desenvolver um forte recipiente feminino, que possa reconciliar a mulher com sua identidade biológica receptora e cuidadora.


O papel do terapeuta é crucial para esse processo de fornecimento de um recipiente materno seguro. O terapeuta incauto pode piorar as coisas nesta fase se tiver uma visão feminista política que se preocupa em libertar as mulheres do feminino, em vez de libertá-las para serem femininas. Aconselhar a mulher identificada com o Animus, que secretamente se sente inferior, para ser mais assertiva e ambiciosa é a pior coisa possível. De facto, o terapeuta deve possibilitar que a analisanda seja mais receptiva, intuitivo e sensível.


Os rituais são particularmente bons para fundamentar o feminino. Qualquer coisa com a qual a paciente se relacionar tornar-se-á valioso (e.g., desenho, escultura, modelagem de argila, dança, tricô, etc.) Isso irá permitir que a paciente atue fora dos limites que ela está a tentar criar por dentro. Os rituais fornecem recipientes que permitem a mulher criar e desenvolver dentro de um padrão. Realizá-los pode ser tremendamente curador. Eu descobri que os rituais são particularmente úteis para mulheres que sofrem de distúrbios alimentares.


As mulheres devem inclusivamente ser advertidas perante o objetivo de sacrificar os seus instintos e sentimentos pessoais face a um ideal, uma conquista ou uma meta externa, uma tentação particularmente forte para a mulher consciente. O Animus, sendo muito orientado para objetivos, mantém a mulher em movimento. Sempre que dita essa voz, as mulheres devem tentar resistir, tirando uma folga ou procurando cuidar de si próprias. O humor pode restaurar rapidamente uma perspetiva sã, esvaziando a autoimportância pomposa do Animus. Entregar-se a trivialidades também pode ser muito curador. Uma cliente minha que vivia sob as garras do seu Animus, sonhava que estava numa grande loja na Grafton Street a olhar para pequenas bugigangas. Entretanto ela comprou um perfume chamado "Sweet Nothings". O sonho foi uma dica gentil para prestar mais atenção às doces palavras da vida.


Ao estar inconscientemente presa nas garras do Animus, a mulher sente-se isolada da doçura da vida. As atividades que nos ajudam a usar a nossa função de relação e de sentimento talvez sejam o melhor antídoto para a tirania do Animus. Tirar um tempo para brincar com as crianças, dar atenção a um animal de estimação, cultivar um jardim, essas são atividades centradas em nutrir a vida. Elas devem ser realizadas de maneira muito deliberada, mesmo que isso pareça não-espontâneo na época.

Canalizando Energias

Se uma mulher está sob o domínio do Animus “Espírito-do-Pai: (veja acima), ela pode ser apanhada a pensar de que é um génio criativo ou de se envolver em algum projeto que é vago e inflado. Neste momento, o que é necessário é um projeto muito específico em que a mulher possa canalizar as suas energias. Isso fundamenta o Animus que voa alto, oferecendo ao mesmo tempo um canal para sua energia. Emma Jung escreveu em “Anima and Animus” (4) que


“confrontada com um desses aspectos do animus, a tarefa da mulher é criar um lugar para isso na sua vida e personalidade. Normalmente, os nossos talentos, hobbies e assim por diante, já nos deram dicas sobre a direção em que essa energia se pode tornar ativa. Muitas vezes, também, os sonhos apontam dessa maneira e ... mencionam estudos, livros e linhas de trabalho definidas, atividades artísticas ou executivas”.

Confrontadas com as dificuldades que o Animus cria, as mulheres às vezes acabam por se perguntar se não é melhor deixá-lo sozinho. De facto, o Animus é extremamente importante no desenvolvimento psicológico das mulheres, permitindo que ela amplie a sua consciência e através da capacidade de pensamento objetivo e independente, permitindo-lhe recuperar territórios da sua psique, anteriormente inconsciente e na posse de uma autoridade extrínseca. A grande luta que as mulheres agora enfrentam, está em aprender a conter o Animus, tanto nas suas esferas arquetípicas quanto pessoais. As teorias feministas tradicionais alimentaram o Animus negativo, porque acreditavam que as mulheres só podem ter sucesso nos termos dos homens. Essa posição extrema era necessária para compensar a opressão das mulheres. Mas agora as mulheres precisam criar estruturas nas suas vidas e na sociedade que garantam um nicho para o feminino consciente. É hora de explodir a falácia de que homens e mulheres são iguais. Ser igual não significa ter de ser semelhante. Talvez tenha chegado o momento em que possamos nos dar ao luxo de ser diferentes, mas iguais.

Artigo traduzido e adaptado por João Vedor





Texto publicado originalmente na Irish Association of Humanistic and Integrative Psychotherapy por Jasbinder Garnermann.


Jasbinder Garnermann é a Diretora da CG Jung Society of Ireland e do CG Jung Institute.






Ps: Alguns termos técnicos poderão ser consolidados ao longo da leitura dos seguintes livros ou da visualização do seguinte link. Quanto maior é a leitura e estudo sobre os conceitos, mais transparentes e fáceis eles se transformarão.

Bibliografia:

1. Angelyn Spignesi, “Mulheres famintas: uma psicologia da anorexia nervosa. (Publicações da Primavera) p.31

2. CG Jung, “The Visions Seminars Vol 2” (Zurique: Publicações da Primavera) pp497-98

3. Linda Shierse Leonard, “Redimindo o Pai e Encontrando o Espírito Feminino para Ser Mulher”. Ed. Connie Zweig (Jeremy P Tarcher, Inc), pág.

4. Emma Jung, “Animus e Anima: Dois Ensaios” (Publicações da Primavera), p. 39

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2 Comments

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Nara Kollross
Nara Kollross
Nov 01, 2023
Rated 5 out of 5 stars.

Excelente artigo, relevante para o autoconhecimento.

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Violeta Placeres
Violeta Placeres
Dec 01, 2021

Muito obrigada pelas informações sobre o tema, foi uma leitura muito esclarecedora!🤗

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