Alguma vez se cruzou com um homem que parece estar preso num ciclo interminável de conquistas amorosas ou que é um romântico incurável, incapaz de resistir à tentação de se apaixonar? Este artigo procura desvendar o mistério por detrás deste comportamento, recorrendo à Psicologia Analítica.
Na Psicologia Analítica, quando nos referimos a um ciclo vicioso, padrão comportamental ou estilo de vida, estamos, na verdade, a falar de um "complexo". Então, o que é um complexo? E o que é o complexo do Don Juan?
Um complexo, na linguagem da psicologia junguiana, é uma espécie de nó emocional, composto por experiências que acumulamos e reforçamos ao longo da vida, e que se manifesta através de padrões comportamentais específicos. Este conceito, introduzido por Carl Jung, sugere que um complexo pode ter uma influência tão poderosa sobre a psique que pode criar uma personalidade independente dentro do indivíduo. Quando este complexo é ativado, o sujeito é envolvido por ele e deixa de ser ele próprio. É por isso que, na Idade Média, o amor era frequentemente visto como uma forma de possessão. Se esta ideia lhe parece estranha, pergunte-se: alguma vez se sentiu possuído pela paixão do amor? E que ações estranhas, tristes ou ridículas tomou sob a influência dessa paixão?
A ativação de um complexo pode ser ilustrada pela situação em que alguém é dominado pela raiva no trânsito ou quando um assunto particularmente sensível é abordado. Essa pessoa é subitamente dominada pela raiva porque foram pressionados "botões" emocionais que não estão bem integrados na sua psique. Porém, os complexos não são apenas forças negativas. Tal como qualquer outro elemento psíquico, um complexo tem tanto uma faceta positiva como negativa. Por exemplo, as nossas experiências com a nossa mãe podem levar à formação de um complexo materno positivo ou negativo. Pode encontrar mais informações sobre este tópico neste link.
A relação de um rapaz com a sua mãe e o seu pai pode desencadear uma série de consequências psicológicas e comportamentais. Neste artigo, o nosso foco recai sobre o fenómeno do Don Juanismo, que pode emergir dessas interações parentais. Antes de nos aprofundarmos neste tópico, é crucial entendermos a figura de Don Juan. Frequentemente associado ao comportamento mulherengo, este personagem tem sido uma presença constante tanto na literatura clássica como no senso comum.
Don Juan é um arquétipo que surgiu na cultura espanhola, talvez como uma sublimação intelectualizada e lírica de Tirso de Molina. Desde então, Don Juan tem sido retratado de várias formas, desde um libertino desalmado até um romântico incurável em busca do amor eterno. Independentemente da interpretação que cada um de nós infira sobre Don Juan, por vezes até baseada nas nossas experiências pessoais, acredito que ambas as descrições podem ser verdadeiras e até coexistir na mesma pessoa. Assim, podemos ter um Don Juan cruel, que exibe uma persona viril e arrogante, ou um Don Juan frágil, que é um eterno escravo dos caprichos do coração.
O que determina a formação de um ou outro tipo de Don Juan, ou a prevalência de um sobre o outro, é o conjunto de variáveis que se acumulam ao longo da vida de uma pessoa. A relação com os pais, em particular, desempenha um papel crucial na formação dos complexos paterno e materno.
De forma simplificada, no caso do Don Juanismo Tóxico, um pai autoritário e bruto que domina uma mãe frágil e delicada pode incitar no filho um Don Juanismo tóxico, especialmente se, por várias razões, o vínculo materno for fraco. Neste caso, o filho vê o pai como um herói e uma figura a seguir. Por outro lado, uma relação positiva com ambos os pais, mas com a particularidade de uma mãe forte, amorosa, inteligente, talentosa e generosa, pode levar ao Don Juanismo Frágil.
No primeiro caso, o indivíduo tende a desprezar a mulher até que uma figura feminina forte o force a ver além do objeto sexual que ele idealizou. Só então ele poderá começar a ver a mulher como um ser humano completo. No segundo caso (Don Juanismo Frágil), como Von-Franz indica, "Ele procura uma mãe-deusa, portanto, apaixona-se por uma mulher, mas logo descobre que ela é um ser humano comum. Por ter sido atraído sexualmente por ela, toda a paixão de repente desaparece e ele decepciona-se e deixa-a..." Ele está sempre à procura da imagem da mãe nas outras mulheres e sempre a repetir a mesma história.
Curiosamente, o Puer Aeternus (Jovem eterno ou Peter Pan), que é uma característica marcante do Don Juanismo, é um distúrbio dos complexos parentais e não é exclusivo do complexo materno, apesar deste ser o mais comum. Não é por acaso que estes indivíduos podem revelar uma grande imaturidade em determinados aspectos da vida.
No Don Juanismo tóxico, desencadeado pela atrofia da persona misógina, há uma separação do indivíduo com a sua essência afetiva, a sua anima (símbolo feminino) é reprimida de alguma forma por um bloqueio interno. Por outro lado, no Don Juanismo frágil, há uma expressão marcante de uma afetividade compulsiva sublimada na expressão de amor e eros na melodia harmoniosa de uma balada ou na lírica de um poema agoniado. No entanto, o Don Juanismo tóxico é sempre um nível inferior do Don Juanismo frágil. De certa forma, o Don Juanismo tóxico renega a mulher, por renegar uma parte intrínseca sua, mas só a mulher poderá restituir e devolver esse encontro consigo mesmo. Se de algum modo o encontro falhar, e o sujeito perder a sua obstinação alfa em confronto com uma mulher maior do que ele, correrá o risco de se tornar débil e perder o resto da sua vida na sublimação artística de uma alma entorpecida...
Autor: João Ereiras Vedor
Psicólogo Clinico e da Saúde especialista em Psicologia Analítica
Membro da Direção na Academia Internacional de Psicologia Analítica
Co-fundador do JungLab
Contacto: joaoereirasvedor@gmail.com
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